segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Má-formação e pesticidas


Do Diário de Cuiabá
Por RENÊ DIÓZ

Mato Grosso está vivendo um problema grave e quase velado de saúde pública que começa nas lavouras e só se manifesta nos berçários. Os litros e litros do maior consumo de agrotóxicos por estado no país estão sendo, em parte, responsáveis por más-formações congênitas em nossas crianças como fissuras labiopalatinas (lábio leporino, por exemplo), cujas cicatrizes às vezes podem impactar toda uma vida.

Enquanto o número de casos no SUS assusta, na UFMT uma pesquisa pioneira começa a demonstrar com números a relação entre os agrotóxicos e a incidência de más-formações.

Em Cuiabá, o Hospital Geral Universitário (HGU) é responsável pelo único serviço de reabilitação de más-formações congênitas classificado em Mato Grosso como referência pelo Ministério da Saúde e premiado pela Fundação Banco do Brasil. À frente do serviço, a coordenadora Kátia Tavares Serafim se diz assustada com tantas crianças acometidas pelas lesões congênitas – em cinco anos de serviço, a maioria das cerca de 980 crianças tratadas cirurgicamente vem de áreas de lavouras.

Há diversos fatores que podem produzir más-formações numa criança nos primeiros três meses de gestação, como distúrbios hormonais, falta de vitamina A, alguns medicamentos utilizados pela mãe e a exposição dela a radiação ou agrotóxicos. Em Mato Grosso, não se pode ignorar o peso deste último fator para os danos, uma vez que 20% do produto utilizado no Brasil - o maior consumidor - são despejados aqui.

“É um problema de saúde pública, e de alta complexidade”, sentencia Kátia. Quando a criança com fissuras labiopalatinas sobrevive, carece de uma gama de serviços especializados, como cirurgia plástica, otorrinolaringologia, odontologia e fonoaudiologia. Também necessita da psicologia, pois, fora a depressão pós-parto na mãe, a pessoa com a má-formação passa na vida por obstáculos imensuráveis pelas dificuldades para falar, ouvir e pela própria insegurança, que se manifesta com força na adolescência. As cicatrizes, por menores que sejam, viram estigmas. “É muito triste a situação psicológica deles”.

PESQUISA - Até o momento, não há dados específicos sobre a relação entre os agrotóxicos e as más-formações em Mato Grosso, mas uma pesquisa de mestrado em Saúde Coletiva orientada pelo professor Vanderlei Pignatti, da UFMT, está começando a trazer alguns números.

Embora ainda esteja em andamento, a pesquisa já constatou (preliminarmente) cidades com incidências de más-formações acima da média estadual: Sinop, Tangará da Serra, Rondonópolis, Canarana e Água Boa. A pesquisa contará com exames de sangue nas crianças, tal como a FioCruz já realizou (e encontrou traços de agrotóxicos no sangue de moradores de Campo Verde e Lucas do Rio Verde). Para Pignatti, não se pode ignorar a exposição das mães aos agrotóxicos nas lavouras para implementar políticas públicas contra o problema. Inclusive quando se sabe que 14 dos principais agrotóxicos utilizados no Brasil já foram proibidos em toda a União Européia, Estados Unidos e Canadá desde 1985 por conta do risco à saúde humana. Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária é vagarosa: proibirá apenas em 2013 o principal inseticida de nossas plantações, o barato e altamente tóxico endosulfan.

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